RELATO, LITERÁRIO E ANTILITERÁRIO NAS ESCRITAS ÍNTIMAS DE CAROLINA MARIA DE JESUS E DE ANA CRISTINA CESAR

Priscila Pesce Lopes de OLIVEIRA, Mônica GAMA

Resumo


RESUMO

O presente artigo discute a escritura e sua relação com o real a partir da notação sobre o cotidiano em Carolina Maria de Jesus e Ana Cristina Cesar. As relações entre a escrita diarística e a literária travadas nos textos das autoras são tomadas como ponto de partida, considerando as diferenças entre suas condições e projetos de escrita. Propõe, em seguida, que Carolina interpela pela linguagem os marcadores sociais que, se a constituem, a partir desse gesto autoral não mais a definem ou confinam; assim, a notação do real e a vontade do literário configuram a trama de um lugar de fala calcado num irresolúvel que é uma das marcas da literatura. Tece reflexão acerca das relações entre o diário, o relato e o literário na poética de Ana C., em que os elementos da fórmula diarística são deslocados de modo que o gênero textual seja reconhecível, porém não funcional, obrando igualmente a indecidibilidade. Procura demonstrar que o cotidiano inscreve, nos textos das duas autoras, elementos para que ali passem a participar da dinâmica propriamente escritural: a desestabilização. Esta atinge o eu, fraturado em Ana C. pelo desmonte da intimidade efetuado por procedimentos que jogam o biográfico simultaneamente como oferta e recusa e em Carolina pelo entrecruzar de vetores identitários que ela maneja em autoria de si própria. Atinge também o hiato entre escritos referenciais e artísticos com o qual se preocupam, de modos distintos, Barthes e Blanchot, apostando nesse intervalo como transitável pelo lirismo.

 Palavras-chave: Diário. Carolina Maria de Jesus. Ana Cristina Cesar. Cotidiano. Lirismo.

ABSTRACT

This paper discusses the relationship between writing and reality in everyday notation by Carolina Maria de Jesus and Ana Cristina Cesar. We begin with an investigation of the relationship each author weaves between the journal and literary writing and the differences between Jesus’ and Cesar’s writing conditions and their writing projects. We propose that Carolina’s use of language interpellates the social markers that undoubtedly constitute her but, with her authorial gesture, no longer define or confine her; therefore, notation of the real and craving for the literary configure for her a speaking position grounded on unresolvability, which is one of literature’s hallmarks. Undecidability is also at work in the relationships between the journal, the account and the literary that take place in Ana C.’s poetry, where the journal’s elements are displaced so that the genre is recognizable but not functional. We seek to demonstrate that the elements inscribed by everydayness in the texts of both authors assume the scriptural dynamics of destabilization. There is destabilization of the I, fractured in Ana C.’s poetry by a wrecking of intimacy obtained with procedures that place biography simultaneously as offer and refusal, and there is destabilization in Carolina’s writing by the interlacing of identity vectors that she wields in authorship of herself. This destabilization also reaches the hiatus between referential and artistic writing that worries Barthes and Blanchot, a gap that we believe can be negotiated via lyricism.

 Keywords: Journal. Carolina Maria de Jesus. Ana Cristina Cesar. Everydayness. Lyricism.


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